Naquela manhã em especial, recebemos a visita de alguém de extrema importância dentro
do trabalho de Jesus. Não vinha apenas das alturas, da esfera das governanças
planetárias, vinha também das regiões umbralinas onde visita constantemente levando a luz
da sua presença, a paz da sua palavra. Espíritos assim não se isolam em seus casulos
alcandorados de magnas benesses. Vão até o sofredor, o perdido, o andarilho para indicar
caminhos, estimular corações. Chegamos bem cedo à instituição que nos acolhia para os
estudos preparatórios. Formávamos um grupo de duzentos pretendentes à reencarnação.
Cem homens e cem mulheres. Duas centenas de almas que se juntaram fazia quinze anos
e que, estimulados pelas promessas de Jesus, colocaram-se ao dispor do trabalho e do
estudo para formar um contingente efetivo de soldados do bem. Adentramos o salão nobre.
Sentamo-nos em nossas poltronas previamente marcadas. Os da frente tinham
compromissos maiores. Os do meio seriam os intermediários das ações e os últimos os
sustentadores das mesmas. Um exército, pois. O comandante renasceria primeiro e nos
aguardaria um a um, para de novo agruparmos num futuro pré-estabelecido. Marina Sales
tocou ao piano melodias encantadoras. Nossa irmã renascerá no final deste século para as
músicas do futuro. De olhar terno e mãos delicadas transportou-nos a regiões superiores da
consciência através das notas que harmonizava ali, perante nós. Era uma canção jamais
composta. Era para nós, era para o nosso visitante. Os sons evoluíam naquele ambiente e
evoluíamos com eles. Ah, o poder da música! Ah, o poder da música celeste! Bendito futuro
que nos aguarda!
Perdemos a noção do tempo. Lágrimas com certeza rolariam em nossas faces. Sonhos não
faltariam. E todos nos demos as mãos e cantamos uma letra que alguém iniciou e todos
deram continuidade. Era o entrelaçar de almas que ao estímulo inicial das notas tiradas ao
piano, compuseram um poema, proposta do renascer. As luzes em formatos diversos
fizeram-se presentes envolvendo-nos, balsamizando-nos. Poucos conhecem a luz. Difícil
descrevê-la em suas magnas nuances. Ao término daquele concerto de duas centenas de
almas, mais uma, estávamos em êxtase. Uma voz suave e terna surgiu e era do tamanho
de todo aquele esplendor:
– Assim serão as reuniões das almas no futuro que virão para o plano físico da Terra.
Descansamo-nos naquela suavidade. De olhos fechados imaginamos o futuro. Uma relva,
pássaros, árvores bem vestidas em suas folhagens, lago doce e sereno, pessoas contritas
em profundo recolhimento e a brisa a perpassar corpos inundando-os de cálida paz.
Multicores balouçando quais dançarinas enérgicas e plenas no ato de encantar. E a voz
suprema de Jesus, confortando e alinhavando épocas inda mais felizes. Quem éramos nós?
Quais feitos nos granjearam aquele momento? Era a pergunta geral em face de tantas
dádivas. – Sois daqueles que deixam para trás as torturas de um ego inferior, em desalinho
e corrompido e buscam a Deus, em regime de perfeita comunhão.
Lentamente abrimos nossos olhos. Entreolhamo-nos e nos felicitamos. As belezas ali se
confundiam. Homens e mulheres desapareceram, surgiram almas, Espíritos em busca de si
emergindo das profundezas abismais que um dia escolhemos por morada, mas que agora
ficariam para trás. – Sois partes da Criação. A ela deveis vossos concursos eficazes. Há o
tempo para ser menino e menina. Há o tempo para crescer. Eis, agora, a vossa proposta.
Vimo-nos crianças correndo em busca de algo que nunca encontrávamos. E íamos de lado
a lado, lugar a lugar e não nos plenificávamos. Tudo era pouco, vazio, esparso. Toda a graça terminava ao contato das nossas mãos com o objeto cobiçado. Objetos pequenos,
efêmeros que se esvaíam. Ouros que se tornavam pó, fumaça, névoa e desapareciam
deixando-nos perplexos, à deriva, saltando como se salta na tentativa de pegar nas mãos
as bolas de sabão que flutuam e vão e estouram e nos esvaziam. Depois os risos
desengonçados, o saltitar de corpos, muitos seminus, prontos para as enfermidades. A troca
insalubre das energias deletérias à guisa de prazeres temporários, infiéis, irresponsáveis.
As mútuas acusações. Os regimes parcos das diferenças sociais. A fome, a miséria, mas o
balançar frenético ao som de notas desatentas e de cadências confusas que em nada
enfeitam a vida para suas plenitudes. Tudo isto passou como um bólido em nossas mentes,
ao som daquele piano e à melodia daquela voz amena mesmo que forte e sincera.
– Aprumai-vos. Novos corpos os aguardam. Respeitai-os. São frágeis e podem fenecer se
não souberem bem conduzir-vos neles.
A canção acelerou um pouco, bem como nossos corações. Vimos-nos belíssimos; moços e
moças e nos olhamos. Éramos cheios de graças. Nunca a beleza foi tão manifesta aos
nossos sentidos em se tratando de corpos, templos da divindade. As moças eram divinas
deusas, os moços, Apolos da sábia mitologia. Não nos desejamos, apenas nos felicitamos.
Qual ali o mais belo ou bela? Todos o eram. Não havia disputas sobre beleza. Beleza o é,
foi e será em todos os tempos. O belo é concepção espiritual de cada alma. O belo é luz
que surge para endireitar caminhos, conduzindo transeuntes. – Não mais descereis como
outrora o faziam quando das reencarnações transatas. A Terra doravante será para os
mansos e pacíficos. Ela atingiu novo grau cósmico. Então subireis aos planos dos ajustes
em estagiando no corpo físico.
Nossos corações bateram fortes. Ouvimos seus ruídos. Uma onda de harmonia perpassou-nos. Não era uma harmonia passiva e sim a harmonia que acelera ideais. Sentimos vontade
enorme de renascer e ser entre os seres os mais ágeis na arte das transformações. Erigir
coisas e causas novas. Plantar novas sementes – colhê-las depois e distribuir gratuitamente
seus frutos para todos em igual proporção. As etnias desapareceram. As culturas quase se
fundiram. As latitudes não separavam povos. Os continentes eram uníssonos ao comando
geral de Jesus. Sua presença era para todos numa sequência feliz e agradecida. Novas
academias surgiram. Respeitavam as academias do passado, porém tinham agora como
princípio a absoluta certeza de Deus e as efusivas manifestações da vida em todo o
Universo. Pelo campus transitavam flores ambulantes em busca da rega para seus frutos. E
se respeitavam como tal, alunos entre si. Mestres entre si, alunos e mestres numa sinfonia
onde os pássaros participavam como tenores, contraltos, baixos e sopranos. Também eles
desejavam tempos novos para si e os teriam pela afirmação divina que traziam em seus
gracejos. – Nada temeis. O comando geral é de Deus sob a proteção do Divino Cordeiro,
Jesus. Apascentai vossas chamas. Conduzi-vos pelos caminhos do Evangelho do Senhor.
Sede felizes. Sois partícipes da nova era.
Como aves soltamo-nos das nossas poltronas e nos abraçamos em pleno ar, quais voos
alcandorados das aves em festa e nos fizemos cotovias, cantando em plena altura. Quem
éramos, que nomes tínhamos? Nada importava ali. Éramos filhos de Deus. Sentimo-nos
assim, responsáveis por nós e por todos. Ah! se todos vivessem aquele instante!
Certamente o mundo veria a magia das transformações num piscar de olhos, quais
movimentos que encantam olhares atentos sem nada entenderem. E os mágicos, em seus volteios rápidos e coerentes a olhar a plateia, apresentando-os à nova Terra! – Ide e pregai
através dos vossos comportamentos. Somente eles terão a força para conduzir almas.
Fechamos os olhos. Sentimos nossas respirações. Acalmamos nossas volúpias. Nossas
paixões atingiram a linha do equilíbrio. Éramos assim um grupo de almas qual oceano
grandioso num justo momento das calmarias. Permitimos que os navegantes singrassem
nossas águas puras e salutares. Éramos seus baluartes. Depois retornamos à posição de
humanos cheios de coragem e vigor, revigorados que fomos pela certeza de Deus em nós.
A música cessou. Aquele momento era findo. Marina Sales levantou-se da banqueta. Tomou
o rumo das suas necessidades. O visitante teria outras estâncias a visitar. Ficamos nós.
Duas centenas de almas devidamente ungidas para o renascimento. Turbinados para as
tarefas, prontos para espargir em nós e onde estivermos as glórias de um tempo após as
tempestades do presente.
Não cansem de trabalhar e aguardar. Renasceremos. Depois retornaremos e voltaremos a
renascer, nós e todos vocês. Formemos a corrente do bem a partir de já. Os tempos após
serão regidos por almas após suas tormentas, após suas fraquezas, após seus
desencantos. Os tempos atuais não prevalecerão. Aqueles que assim pensarem, haverão
de fenecer. E serão mortos a cuidar de mortos, nalguma estância além, até os dias futuros
dos grandes reencontros. Somos imortais pela proposta de Deus, sejamos também por
nossas convicções próprias. É tempo de deixar o menino e a menina. É tempo de permitir-lhes os justos repousos, após tantos séculos a nossos serviços. É tempo das
metamorfoses, de trocar as peles, de amadurecer tendões. É tempo de florescer onde Deus
nos plantar, como disse o sábio. É tempo de rejubilar-se por ser parte ativa e integrante da
Criação. É tempo de preparar-se para os tempos após.
Guaraci de Lima Silveira – Nos tempos após - O Consolador – N° 256 – 15/04/2012